sexta-feira, 30 de março de 2012

Que Suzanne?

A certeza de que serei uma memória esquecida me ronda e a súbita sensação de inexistência me deixa insone.

Eu penso! Penso, aliás, coisas. Em por do Sol de outono, em gatos deitados na grama em fim de tarde de Outono. Penso em bancos de praça, em você, em mim, na certeza do nunca, no medo do talvez.

E ouço sua voz em rotinas, como quem enxuga a louça que lavo, como quem resume seu dia antes de dormir. Não, nós não dormiremos. Os gatos dormem, você dormirá, e eu sentinelo este momento, como se meu piscar desse ao mundo a oportunidade de orbitar em normalidade. Eu me recuso! Não quero o normal, não quero acordar amanhã e me rever lúcida. Quero esse revirado, esse mexido, o vasculhado de mim, o escancarado. Quero até todos os medos zanzando em minha cabeça, e esse súbito de que a felicidade certa de hoje será a lembrança amena de amanhã, um olhar vago de passado, uma névoa que dissipa e some. E quando perguntarem de mim, onde ando, o que virei, em sua mente apenas um franzir de testa: "Que Suzanne?"

Que nunca mais eu durma! Liguem as tvs, os alarmes, soltem as trombetas, os bebês assustados, os cachorros. Gritem e protestem. Batam panelas. O mundo não pode voltar ao seu eixo. Me deixem correr, me deixem lutar, me deixem enlouquecer: quero um mundo ao contrário. Quero que o inevitável morra.





quarta-feira, 14 de março de 2012

Cadê você pra fazer de novo quando parar de doer?

Entro em casa e os gatos vão bem: alimentados, brincando, distraídos. Até fazem certa festa, mas fico feliz em perceber que Lambão não se sentiu só, que está feliz com sua nova companhia.

Einstein diz que loucura é fazer as mesmas coisas repetidas vezes esperando resultados diferentes. Bom, isso eu vi assistindo Big Bang Theory, não sou especialista em citações de internet, muito menos em Einstein, só sei que me dei conta que todos os dias eram dias que passavam em branco, em deduções protegidas pela obviedade alheia, na inteligência da zona de conforto, dos relacionamentos vazios e seguros. Ocorre que o óbvio e seguro não traz a felicidade maior que o da ração nossa de cada dia, e eu já não me basto. Não quero mais ser o ápice da minha existência, nem a protagonista do meu humor, ser a única que me diverte. Não quero mais ser a pessoa a quem mais admiro, nem quero me entediar com os outros: quero você! E você é o que de mais diferente eu poderia ter, e por você, Einstein me fez mudar minha realidade.

Não me parece irreal fazer as malas e voar, não me parece absurdo não estar no meu solo firme. Gostar dos gostares, gostar dos amigos, sentir-se em casa e livre, tremer no primeiro beijo, no segundo, no terceiro. Sorrir dos sorrisos, arrepiar ao toque, abraçar à luz da Lua. Deixar cair todos os véus e ver-se virgem em sua própria verdade. E ninguém deveria se privar disso - aí está o princípio da vida!

E cada toque é um novo sentir, cada dor é mais verdadeira, cada gozo é mais claro e nítido, cada beijo tem em si o alívio de se fazer o que se deve fazer. Fecho os olhos e ouço as gargalhadas, os gemidos, os olhares que se consomem e entendem. Ouço os toques, os abraços, os suspiros, ouço o que foi dito e o não dito, ouço todas as verdades que saltaram aos meus olhos que nunca viram antes: era um nascimento, um casamento, um pacto.

E em casa, os gatos bem, as coisas em ordem, a vida toda justa e perfeita, me salta à vista a pergunta da qual por toda minha vida eu fugi: Cadê você pra fazer de novo quando parar de doer? Jogando tudo pro alto, benzinho!




segunda-feira, 5 de março de 2012

Paca, tatu, cotia não!

E a capivara me fez escrever. Vi uma morta na entrada de São Paulo, logicamente atropelada, o sangue rosado escorrido das narinas, e um rapaz tirando uma foto com seu celular, talvez abismado com aquele bicho estranho. Senti pena. Pena pq o bicho sobreviveu ao rio sujo, à fome, às doenças. Deveria ter sentido pena do rapaz que tirava a foto: por não ter tido infância, por não ter respeito, mas por ele sinto certa indiferença infame.

Não me importa que pessoas morram. Num crescimento endêmico como o nosso, morrer é comum como respirar. Digamos aí que somos já 7 bilhões no planeta, de todos os sexos, cores e raças, nascemos e morremos aos milhares e isso não muda os números, nem a vida que segue. Não me importo que relacionamentos acabem, o próximo é sempre melhor. Sempre! Mas os bichinhos inocentes perdidos nesse mundo besta, ah, isso me choca!

E continuei meu curso indignada com as mortes bestas provocadas por uma vida sem sentido. Alguém vê sentido em alguma coisa? Nós continuamos a vida pq a vida condiciona, catequiza, mas eu duvido que alguém viva por entender o sentido do viver. Admito viver em uma Matrix, admito que não entendo o universo em que estou inserida e que faço parte da massa que mantém a estrutura atual funcionando. Minha vida é voltada a manter o estado das coisas, e disso sinto orgulho e culpa. L'etat c'est moi, represento sua vontade, os interesses sociais, e minha função é causar a sensação de segurança e normalidade. Sensação! Abstrata como o Estado, abstrato como vc e eu.

Mas não podemos cotiar - eu adoro! Adoro mudar de idéia, enjoar do que to fazendo, deixar pra trás. Talvez por saber que vou mudar, penso muito pra tomar decisões. Não por insegurança, mas por pena das opções preteridas. Sempre tenho ótimas opções a fazer. As vezes faço escolhas e vejo as outras opções se desfazendo na inexistência. É como abortar possibilidades, coisas que poderiam ser e não foram. Adoraria que os universos paralelos existissem. Assisti "o efeito borboleta", não compro pra não enlouquecer, mas adoraria que essa realidade fizesse parte da ficção que vivo hoje.

Adotei mais um gato, filhote, e Lambão adorou. Emburra muito, mas pulam e correm pela casa toda numa felicidade só. Isso sim é real e tangível, diferente de qualquer possibilidade de escolha que façamos.

Gosto de fingir que faço escolhas. Essa semana viverei uma, um pedacinho de universo paralelo, só pra sentir que estou viva. Sensação. Estar viva também é abstrato!